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Um dos atos mais polêmicos presentes no arcabouço do planejamento sucessório é também o mais seguro juridicamente e feito em cartório de notas

O testamento é um ato que pode ser feito em qualquer tabelionato de notas por meio do atendimento do tabelião de notas, dotado de fé pública para tal atuação. Não há limites de bens nem de patrimônio para fazê-lo; pelo contrário, o ato se popularizou muito no período da pandemia do Covid-19, em que as pessoas se contaminavam, eram internadas e não sabiam o que poderia acontecer.

Pode haver um senso comum de que apenas pessoas com mais bens e maior poder aquisitivo fazem testamento. Ou talvez, outra suposição seja os casos de pessoas famosas que fazem testamento para resguardar sua vontade perante a família, e o ato acaba sendo divulgado pela imprensa sempre que há algum impasse familiar.

O caso mais recente que tem marcado as editorias de fofocas de sites pelo país é o de Zagallo. Falecido este ano, no dia 5 de janeiro, o ex-técnico da seleção brasileira de futebol e único tetracampeão mundial deixou em testamento que metade do seu patrimônio, ou seja, a fatia de 50%, seria legitimamente apenas do seu filho mais novo, Mario César, sendo o restante do patrimônio, ou seja, os outros 50%, dividido entre os outros três filhos, Paulo Jorge, Maria Emília, e Maria Cristina.

Ao que tudo indica, a confusão familiar começou com o inventário da ex-mulher de Zagallo, Dona Alcina, como era conhecida. Os dois se casaram em 1955 em uma das igrejas mais famosas do Rio, localizada na Tijuca, a igreja dos Capuchinhos. Falecida em 2012 aos 80 anos, ela teria deixado bens os quais passariam a ser de Zagallo. Os três filhos mais velhos teriam sido contra e solicitaram a anulação do processo.

Em seu testamento, Zagallo expressa mágoa e tristeza por seus três filhos mais velhos, a quem, se pudesse, não deixaria herança. Ele alega no documento que o filho caçula foi o único que esteve ao seu lado nos últimos meses.

Em um caso como o de Zagallo, é possível a anulação do testamento?

O advogado Julio Martins, especialista em direito extrajudicial, explica que uma conduta como a dos filhos de Zagallo corrobora com a não anulação do documento, uma vez que há o amparo do Código Civil, art. 1.961, que priva herdeiros de seu direito à legítima em casos de “desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.

Ele lista algumas “ocorrências” que podem impactar na privação dos herdeiros necessários de receberem a herança:

“Se os chamados herdeiros de sangue forem ‘necessários’, podem inclusive ser privados da legítima nos casos do art. 1.961 do Código Civil (que conforme art. 1.814 ocorrerá quando os herdeiros: tiverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; tiverem sido acusados caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; por violência ou meios fraudulentos, por inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. Pode ocorrer também quando restar provado, ofensa física; injúria grave; relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; e casos de desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.

O ex-jogador e ex-técnico teria declarado que seu desejo era “não deixar a herança para outros filhos, mas é a lei”. O advogado explica que quando a pessoa possui herdeiros necessários, não pode dispor da integralidade do seu patrimônio em testamento a outra pessoa ou a um só filho. São necessários, na forma do art. 1.845, seus descendentes, os ascendentes e o cônjuge/companheiro.

“Nesse caso específico deverá ocorrer a redução das disposições testamentárias na forma do art. 1.967 do Código Civil Brasileiro, por infringência à regra que veda a inclusão da legítima dos herdeiros necessários no testamento (§1º do art. 1.857), se tais ‘herdeiros de sangue’ forem herdeiros necessários. Ou seja, na forma do §1º do art. 1.967, ‘Em se verificando excederem as disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituídos, até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor’, afirma.

Testamento é um ato que promove segurança jurídica aos bens do testador e aos seus familiares, mas há outros caminhos

Para Júlio, embora as polêmicas acompanhadas pelos holofotes, “é seguro um Testamento feito em Cartório (Testamento Público) muito mais do que aquele que a Lei permite que seja feito pelo sujeito em sua casa, sem qualquer assistência de Tabelião ou Advogado, porém, é bom que fique claro que qualquer das formas existentes de testamento podem ser alvo de ação buscando sua anulação, como se viu”.

“O testamento não é um instrumento absolutamente inatingível por demandas que busquem sua anulação e desfazimento. Soluções mais sofisticadas podem ser buscadas através de outros instrumentos em sede de Planejamento Sucessório e, ainda assim, o experiente e cauteloso advogado por certo alertará o interessado sobre os riscos de cada medida. Observamos na prática que nem sempre a vontade do testador agrada os seus herdeiros/familiares e, por conta de suposta cobiça, a intenção de anular e desfazer a vontade pode surgir, lamentavelmente”, explica Júlio.

Ele alerta que muitas pessoas pensam equivocadamente que o testamento é absoluto e desde já determina a divisão patrimonial. Porém, a verdade que nem todo mundo sabe é que a eficácia deste importante instrumento está ligada à sua não modificação/revogação em vida pelo testador e pela ocorrência do evento morte.

“Feito o testamento, nada se modifica ainda; somente com a morte é que ele passará a surtir efeitos, se não for anulado pelos interessados. O risco da vontade não ser cumprida existe e é real. O que sempre recomendamos é um Planejamento Sucessório e a realização de testamentos, se for o caso, somente por Instrumento Público e com assistência de Advogado, embora a Lei assim não exija (mas não também proíba)”, finaliza.

Fonte: Assessoria de comunicação – CNB/RJ

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