Antecipação é precipitada para alguns advogados, mas vale a pena pensar no assunto segundo outros profissionais
As doações de bens estão em alta nos cartórios brasileiros desde julho. Enquanto a média mensal desses atos no ano de 2022 tinha sido de 11.600, e recuou para 11.114 em 2023, os meses julho e agosto tiveram 13.188 e 14.295 escrituras solicitadas. Os dados foram enviados com exclusividade ao EXTRA pelo Colégio Notarial do Brasil — Conselho Federal (CNB/CF), entidade que reúne os 8.344 Cartórios de Notas do país. E, segundo advogados tributaristas, refletem o receio (nem sempre apoiado em dados concretos) diante da Reforma Tributária, cujo texto foi aprovado em julho pela Câmara dos Deputados.
A PEC 45/19 ainda precisa passar pela avaliação do Senado Federal, e qualquer mudança só deverá entrar em vigor no país no ano que vem . Por isso, os advogados são contrários à pressa na tomada de decisões.
Mas muita gente entrou em alerta com as mudanças previstas na tributação de heranças e doações. O imposto é o mesmo nos dois casos. Atualmente, estados e Distrito Federal têm autonomia para aplicar alíquota fixa ou progressiva (de acordo com o valor do bem) para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, o ITCMD. Com a aprovação da Reforma Tributária, porém, ficará determinada a alíquota progressiva. As taxas dependerão de lei a ser aprovada por cada estado, mas a alíquota máxima, segundo resolução atual do Senado, é de 8% — o que representaria aumento de 100% no tributo fixo aplicado hoje no Paraná e em São Paulo (4%).
— O receio da aprovação da Reforma Tributária causou a aceleração dos planejamentos sucessórios e das doações em vida, possibilitando àqueles que estão se planejando evitar impostos mais altos. E todas as doações para terem real efeito são registradas em cartório, já que é necessário um documento público para comprovar a transferência do bem — detalhou ao EXTRA a advogada Mariana Domingues Herold, que é especializada em Direito Empresarial.
A aposentada Viviane Souza Galvão, de 70 anos, já sabia que queria repartir seus imóveis entre os filhos. Mas resolveu agilizar a burocracia para se proteger da alta do tributo.
— Fiz as doações em agosto, com usufruto (quando o doador reserva para si o direito de usar e gozar do bem), pois alugo os imóveis para complementar a minha renda. Eu tinha já essa ideia de deixar tudo certo e dividido em vida, para evitar confusão. Inventário é uma coisa muito chata, pois as pessoas nem sempre pensam da mesma forma e entram em consenso. Então com a notícia de que a tributação vai mudar, resolvi agir logo. A gente fica muito inseguro, pois há uma instabilidade política muito grande no país — conta.
Rio de Janeiro não deve ter mudanças
Atualmente, o doador ou inventariante pode escolher em qual estado deseja processar sua transferência de bem, o que possibilita legalmente a busca por uma alíquota mais vantajosa. Isso deixará de ser possível com a Reforma Tributária: o recolhimento será feito no estado onde o doador ou falecido era domiciliado.
O cenário de transição nas normas tributárias causa preocupação aos donos de bens. E confusão. No Rio de Janeiro, por exemplo, o ITCMD já tem alíquota progressiva, de até 8%. Ou seja, ao que tudo indica, não haverá impacto da Reforma Tributária. Mas os cartórios do estado também percebem alta nas doações em vida: os atos passaram de uma média mensal de 639, em 2022, para 805 atos realizados em agosto deste ano.
Por isso, German San Martin, professor de Direito Tributário e Planejamento Tributário da FAAP e sócio do San Martin e Carvalho Advogados, pede cautela.
— As alíquotas dependerão de lei a ser aprovada por cada estado, após a entrada em vigor das alterações promovidas pela PEC 45, que ainda não foi aprovada pelo Senado. E ainda há o princípio da anualidade, que impede que os tributos mudem no meio de um ano. Então, acho muito precipitado antecipar as doações de bens antes que as regras sejam fixadas. Pode ser que os estados aumentem suas faixas de isenção ao ITCMD, por exemplo.
Fonte: Extra