O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJRJ publicou, em 19 de dezembro, por meio do Diário da Justiça Eletrônico, o novo Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça – Parte Extrajudicial, que dispõe, no artigo 390, sobre a escritura de reconhecimento de união estável, na qual poderão constar cláusulas patrimoniais dispondo sobre o regime de bens, incluindo a existência de bens comuns e de bens particulares de cada um dos conviventes. Nela, também se admite a estipulação de cláusulas existenciais, desde que não vedadas por lei.
De acordo com o § 1ª, caso as partes optem pelo regime de separação convencional e absoluta de bens e estabeleça retroagir os seus efeitos à data de início da relação, o tabelião deve adverti-las quanto à possível anulabilidade da cláusula, o que deverá constar expressamente do ato.
Já o § 2º determina que, caso as partes optem expressamente por regime de bens específicos, o tabelião deverá adverti-las que prevalecerá o regime da comunhão parcial de bens, orientando-as quanto a seus efeitos jurídicos.
No § 3º, está estabelecido que a cláusula de renúncia ao direito concorrencial, previsto no artigo 1.828, inciso I, do Código Civil, poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia.
Mudanças
“As maiores mudanças estão nos §§ 1º e 3º. Em verdade, o primeiro deles admite a eficácia retroativa da escritura pública de reconhecimento da união estável com a opção de escolha pelo regime de separação convencional de bens. Essa previsão contraria a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que entende pela nulidade absoluta desta convenção”, explica Flávio Tartuce, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
“Há um grave erro técnico na norma, que menciona a possível anulabilidade da cláusula. Não se trata, segundo a jurisprudência superior, de hipótese de nulidade relativa ou anulabilidade, mas de nulidade absoluta, por infringência a normas de ordem pública. Assim concluindo: ‘Não é possível a atribuição de eficácia retroativa a regime de bens da união estável pactuado mediante escritura pública’. Precedentes (STJ, Ag. Int. no AREsp n. 1.292.908/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/3/2019, DJe de 27/3/2019)”, ele aponta.
Tartuce defende e evoca a afirmação de que “o contrato de convivência, no entanto, não pode conceder mais benefícios à união estável do que ao casamento, pois o legislador constitucional, não obstante reconhecer os dois institutos como entidade familiar e lhes conferir proteção, não os colocou no mesmo patamar, pois expressamente dispôs que a lei facilitará a conversão daquele neste (§ 3º do art. 226 da CF). Essa linha de pensamento, como no casamento, o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (§ 1º do art. 1.639 do CC/02) e a sua modificação somente é permitida mediante autorização judicial requerida por ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvado o direito de terceiros (§ 3º do art. 1.639 do CC/02), não vejo como o contrato de convivência poderia reconhecer uma situação que o legislador, para o casamento, prevê a intervenção do Judiciário” (STJ, REsp n. 1.383.624/MG, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 2/6/2015, DJe de 12/6/2015).
Cláusula de renúncia
“Apesar das resistências doutrinárias quanto a esse entendimento, essa é a posição que hoje prevalece na jurisprudência superior, devendo ser seguida, para os devidos fins práticos, em prol da certeza e da segurança jurídica”, ele afirma.
Para ele, o maior problema está no § 3º da nova norma, que admite a cláusula de renúncia ao direito concorrencial. Segundo o diretor nacional, essa renúncia é nula por representar pacto sucessório, hipótese de nulidade absoluta.
“Não se trata de hipótese de mera ineficácia, mas novamente de situação jurídica de nulidade absoluta, presente outro erro técnico grave na norma administrativa”, ele afirma.
Flávio Tartuce não acredita que a norma possa ser adotada em outras unidades da federação. Segundo ele, ela “está admitindo a validade de atos ou negócios que são nulos de pleno direito, ou em que há pelo menos um debate intenso pela invalidade”.
Herança
O jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do IBDFAM, defende que pactuar a renúncia prévia de uma herança concorrente não se confunde com uma herança regular, legítima ou obrigatória.
“Essa herança concorrente não vai se encontrar no artigo 426 do Código Civil, segundo o qual não se pode contratar herança de pessoa viva. Isso diz respeito a três princípios do Direito romano e nenhum desses princípios é afetado. Muito pelo contrário, quando se proíbe a contratação de pessoa viva é no sentido de querer receber. Isto é proibido: pretender receber”, ele afirma.
Sendo assim, a questão que fica, segundo ele, é possível renunciar a uma expectativa de se ganhar uma herança concorrente, o que é diferente de uma expectativa de direito.
“Quem tem expectativa de direito são os herdeiros necessários. Os herdeiros concorrentes têm expectativa de fato e, portanto, eles podem conjunta e reciprocamente renunciar dessa herança concorrente. É neste sentido que tenho me manifestado e observado que cada vez mais os juristas e as pessoas que lidam com o tema estão reconhecendo essa possibilidade”, ele conclui.
Fonte: IBDFAM