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“O Planejamento Sucessório, Hoje, Terá Que Considerar Com Muita Frequência Os Bens Digitais Do Sujeito”

Quem deixa e quem herda ativos e bens digitais? CNB/RJ entrevista a especialista Lívia Teixeira Leal, assessora do TJ/RJ e uma das autoras da conta de Instagram @herancadigital

A vida está cada vez mais digital e informatizada, disso ninguém duvida. Até que veio a pandemia do Covid-19 e praticamente obrigou que muitas relações familiares e de negócios se adaptassem ao formato remoto. Com isso, cresceu exponencialmente o número de pessoas on-line compartilhando conteúdos de todos os tipos, fotos, imagens, vídeos e áudios. Influenciadores, que já marcavam presença na rede, intensificaram a rotina na rede para uma disponibilidade cada vez maior de expectadores.

Quem mantinha seu negócio, varejo em geral, serviços médicos e educadores físicos, perceberam, no momento, uma oportunidade de produzirem conteúdos com o intuito de quase que substituir a relação presencial. O resultado? Maior exposição de pessoas na internet, maior engajamento dos profissionais da web e maior probabilidade de cresceram a busca por informações sobre como se lidar com as Heranças Digitais.

Para falar sobre o tema e o futuro do meio notarial e da digitalização cada vez mais frequente de atos imprescindíveis para a vida dos brasileiros, o Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio de Janeiro, conversou com Lívia Teixeira Leal, doutoranda e mestre em Direito Civil pela UERJ; pós-graduada pela EMERJ, professora da PUC-Rio, da EMERJ e da ESAP, além de assessora no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Lívia também divide espaço com sua colega de profissão, Ana Carolina Brochado Teixeira, produzindo conteúdos sobre a relação do Direito com ativos e bens digitais, na rede social @herançadigital.

Leia abaixo a entrevista na íntegra:

CNB/RJ – O mundo mudou e vem se tornando cada vez mais remoto e digital. Prova disso são os atos extrajudiciais que já podem ser realizados pela plataforma e-Notariado por meio de videoconferência. Com relação às heranças digitais, como avalia o cenário brasileiro neste momento?

Livia Teixeira Leal – É possível perceber a intensificação do uso da Internet para as mais diversas atividades cotidianas na atualidade, o que, sem dúvida, foi potencializado ainda mais com a pandemia da Covid-19. A criação de novas contas em sites e aplicativos, bem como a inserção de documentos (fotos, vídeos, arquivos em geral) em nuvens, cada vez mais rotineiras, ressaltam a importância de se debater a destinação desses conteúdos após o falecimento do usuário, sobretudo diante da ausência de orientação específica no ordenamento jurídico brasileiro a respeito do tema.


CNB/RJ – É possível, nos dias de hoje, herdar em inventário ou deixar ativos digitais para alguém por meio de testamento, com total segurança jurídica?

Livia Teixeira Leal – Há, ainda, muita insegurança jurídica em relação à sucessão de bens digitais, diante da inexistência de previsão legal que regule expressamente a temática e das possíveis controvérsias que podem surgir na prática. Muitas vezes, as previsões constantes nos termos de uso dos provedores, que impedem a transferência da conta a terceiros, conflitam com os interesses dos herdeiros, que buscam o acesso ao conteúdo constante na conta da pessoa falecida. Há também controvérsias quanto à transmissibilidade ou não de contas que possuam funcionalidade existencial, a exemplo dos perfis pessoais de redes sociais que não sejam utilizados com finalidade econômica, bem como de contas com conteúdo sigiloso ou que envolvam a privacidade de terceiros. Há, ainda, diversas outras questões ainda passíveis de definição, relativas à forma de inclusão desses bens digitais no inventário, à valoração desses bens para fins de partilha, à legitimidade para o gerenciamento dessas contas, à tributação incidente etc.


CNB/RJ – Com base em sua experiência e atuação na área do Direito Digital, a pandemia da Covid-19 fez crescer a demanda por pessoas preocupadas com seus bens digitais ou até mesmo querendo deixá-los registrados em cartório para alguém?

Livia Teixeira Leal – Sem dúvida, a pandemia da Covid-19 evidenciou muitas discussões relacionadas à morte e aos reflexos desta como um todo, o que impacta também o Direito. O debate em torno da herança digital vem crescendo nos últimos anos, e já vinha adquirindo relevo com casos de famosos que faleceram e tiveram acréscimo no número de seguidores em seus perfis em redes sociais. Com uma maior visibilidade do tema e com a notoriedade que a expressão econômica dos bens digitais vem ganhando, pode-se perceber uma demanda crescente pelo registro de disposições de vontade em relação a esses conteúdos.


CNB/RJ – Qual recomendação está fornecendo aos seus clientes que desejam formalizar a doação de ativos digitais de forma extrajudicial em cartórios?

Livia Teixeira Leal – Que busquem listar as contas que considerem relevantes, definindo se desejam que a conta seja mantida ou excluída, se pretendem designar alguém para gerenciá-la (quando possível), e que identifiquem as contas que possuam algum aspecto econômico (ex.: um perfil monetizado no Instagram ou no YouTube), apontando se os rendimentos derivados do perfil devem ser direcionados a alguma pessoa específica. Quanto às criptomoedas, é importante deixar a chave de acesso anotada em algum lugar, para que o acesso àqueles ativos digitais pelos herdeiros não seja inviabilizado.


CNB/RJ – Na sua opinião, qual a importância dos Cartórios de Notas diante deste cenário, principalmente do ponto de vista da desjudicialização para resolução de questões menos complexas, viabilizando a realização de atos de forma extrajudicial?

Livia Teixeira Leal – Os Cartórios possuem um papel muito importante para viabilizar a manifestação de vontade do usuário em vida em relação ao destino de seus bens digitais, ou mesmo para a previsão de restrições quanto à utilização de voz e imagem para recriação digital e quanto ao uso de seus dados pessoais, de forma mais segura. O respeito ao desejo do titular dos conteúdos é um ponto de convergência entre as diversas visões a respeito do tema, de modo que deixar disposições de vontade por escrito pode garantir que a destinação desses bens digitais ocorra de acordo com a vontade manifestada, evitando ainda mais insegurança e divergências entre os familiares.


CNB/RJ – Quais as regras para que os bens possam fazer parte de instrumentos de sucessão tais como testamento e inventários e quais os benefícios desse ganho para a sociedade?

Livia Teixeira Leal – É possível incluir em testamentos disposições relacionadas à destinação de contas que possuam valor afetivo e também daquelas que tenham expressão econômica, devendo o titular observar, contudo, as peculiaridades dos conteúdos, para que não acabe por violar outros direitos juridicamente tutelados. Por exemplo, um médico que receba informações privadas, exames, fotos, etc. de pacientes por meio de seu WhatsApp, deve ter cuidado com o compartilhamento dessas informações de forma indevida, em razão do sigilo profissional que lhe é imposto, o que também se reflete no exercício de sua autonomia ao incluir disposições em testamento que versem sobre essa conta. Já no caso de uma celebridade que possua um perfil monetizado, que lhe gere rendimentos, seria importante incluir disposições relativas à forma de administração dessa conta após a sua morte, a destinação dos valores obtidos, etc. Também se deve considerar as regras de Direito Sucessório, a exemplo da legítima dos herdeiros necessários, que pode restringir a autonomia do testador, bastando observar que atualmente há diversos bens digitais que possuem expressão econômica superior à de imóveis, o que pode impactar no cálculo da reserva pertinente à legítima. Com o incremento dessa “vida online”, a sucessão de bens digitais se torna imprescindível para garantir que o patrimônio construído por aquela pessoa em vida seja transmitido aos herdeiros com a sua morte.


CNB/RJ – Como profissional da área de Direito Digital, que está em constante transformação, como vê o futuro da advocacia notarial e extrajudicial, tendo como base a procura cada vez mais comum pela segurança jurídica de bens intangíveis como os digitais?

Livia Teixeira Leal – O advogado não pode mais se manter alheio às transformações proporcionadas pelo avanço tecnológico na vida dos indivíduos, já que o tratamento jurídico dos bens digitais, inclusive no âmbito sucessório, se trata, como já dito, de demanda crescente. Nesse sentido, o planejamento sucessório hoje terá que considerar com muita frequência os bens digitais do sujeito, o que exige do profissional do Direito uma atualização constante em relação a tais temas.  

Fonte: Assessoria de Comunicação/ CNB/RJ

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